Eu tenho me lembrado do Maluf, que até recentemente considerava o Político Mais Ensaboado do Brasil. Não tinha como você pegar o cara. Você podia colocá-lo ao vivo na TV, na frente de uma câmera e um microfone, com o comprovante do depósito na conta na Suíça com o nome dele e ele, com sua voz anasalada: “Veja bem, meu caro, ninguém fez mais túnel do que eu eu, dá para ir daqui até à Lua através de todos os túneis, pontes, rodovias e elevados que o Maluf construiu”. E se safava.
Eu achava que aquilo era o ápice da retórica da embromação.
Que nada.
Maluf era uma mera trilobita perto do que o processo evolutivo produziu, culminando no Fujão de Orlando, o agora ex-Babuíno do Planalto.
Jair Babá, agora às voltas com as Joias das Arábias, é o nosso Usain Bolt do 171.
Vendo pelas lentes de hoje, o que Maluf fazia é rudimentar porque era auto-referencial. Ele desviava a atenção para os seus feitos vendendo a ideia de que “se você acha que eu sou ruim, olhe para os outros; não estou negando que eu roube, mas os outros também roubam e não fazem nada. Comigo pelo menos você tem uns quilômetros de asfalto para rodar com o seu carro, ou se não tiver carro, para andar de ônibus, chacoalha muito menos.”
Jair pensou grande. Ele viu uma coisa que ninguém tinha percebido antes.
O grande escritor Stanislaw Ponte Preta escreveu o livro FEBEAPÁ — Festival de Besteiras que Assola o País, descrevendo o que aconteceu durante os anos 60 e 70 no Brasil, um período em que um pessoal aí que gosta de andar fardado decidia quase tudo o que acontecia no país. Inclusive até mandaram prender o Sófocles, que escreveu um peça que foi encenada e de que eles não gostaram. O problema é que o Sófocles já tinha morrido fazia mais ou menos uns dois mil e quinhentos anos e ainda por cima lá na Grécia, o que dificultou um pouco a sua prisão. De lá para cá eles melhoraram muito. A FAB (Força Aérea da Biqueira) hoje exporta aditivos energéticos para a galera da bagunça lá na Espanha, a Marinha é referência mundial em afundar porta-avião cheio de material tóxico no mar e também atua no dinâmico setor da importação de joias. E o Exército? Ah, o Exército entrou com tudo no ramo do camping. Uma grande evolução para quem até há pouco tempo atrás só sabia marchar, fazer flexão e pintar tronco de árvore de branco até à metade.
Mas eu divago. Já tínhamos o FEBEAPÁ. Jair enxergou longe e se deu conta do tamanho das reservas nacionais da FDPAPÁ, a Filhadaputice que Assola o País, da mesma maneira que outro grande racista nacional, Monteiro Lobato, se deu conta de que nós tínhamos petróleo prá dedéu. Pois bem, as nossas reservas de Filhadaputice dão uns cem Pré-sais, por baixo, fácil. Talvez sejam apenas inferiores às dos Estados Unidos. Ainda não dá para saber. Continuamos prospectando, ainda não chegamos ao fundo do poço.
Antes da Internet, a Filhadaputice era oculta, arisca, difícil de detectar. Você encontrava pequenos depósitos de Filhadaputice sobretudo em táxis, ou às vezes em bares se estivesse sozinho, quando aquele desconhecido olhava para você, depois olhava ao redor furtivamente, sinal inequívoco de que você estava prestes a ouvir uma barbaridade abissal, o que também te fazia se perguntar porque você tinha sido escolhido para ser o ouvinte daquilo.
A teoria científica correntemente mais aceita estipula que com o advento da Internet, a radiação eletromagnética emitida pelos cabos intercontinentais de fibra óptica causou a aglutinação dos pequenos depósitos de Filhadaputice em grandes agregados que então afloraram à superfície em vários pontos do país. Estima-se que só na Faria Lima, na Vieira Souto e no Vivendas da Barra existam reservas de Filhadaputice capazes de suprir as necessidades do País para os próximos dez mil anos.
Mas nem tudo são rosas. A exposição a níveis elevados de Filhadaputice tem sido associada ao Transtorno de OCA, ou Obsessão com o Cu Alheio, que na verdade é uma obsessão com o próprio cu projetada a terceiros. O paciente de Transtorno de OCA tem um misto de fascinação, medo, deleite e horror à ideia de objetos, membros e até pequenos animais sendo introduzidos em sua cavidade anal e imagina que todos ao seu redor compartilham de sua intensa e monotemática preocupação. Isso o leva a uma grande confusão mental passando a buscar alívio em todo tipo de teorias político-religiosas.
Uma delas é o Comuno-Malafaio-Macedismo, uma variante religiosa do Comunismo, que também não deixa de ser uma crença religiosa, uma vez que de acordo com o Comunismo a Revolução é uma entidade que virá para resolver todos os problemas e criar o Paraíso Proletário na Terra através de sua Filha, a Luta de Classes, Amém. No Comunismo, a produção individual é direcionada ao Estado que a gerencia supostamente para o bem comum. Já no Comuno-Malafaio-Macedismo, a produção individual é direcionada ao Pastor que a gerencia supostamente para o bem do Pastor. O Comuno-Malafaio-Macedismo tem várias vantagens em relação ao Comunismo: a primeira é que não temos que aguentar mais aqueles bigodes horríveis: pensem em Stalin, Fidel, Maduro, Ortega, etc. A segunda é que os discursos são muito mas curtos: Fidel Castro fazia discursos de 4 horas de duração e uma vez chegou a ficar 7 horas falando. Hugo Chávez tinha um programa dominical chamado Aló Presidente, que chegava a durar até 8 horas, uma espécie de Domingo Legal Bolivariano. Mas nada de um Sushi Erótico, uma Banheira do Gugu, um Pedro de Lara esculhambando um calouro; num dia de sorte o máximo que você podia esperar era ver o Chávez passando uma descompostura num ministro, isso depois de esperar horas (aliás, os ministros eram obrigados ir e ficar à disposição durante todo o programa, como Bailarinas do Faustão, mas mais desengonçados). Em comparação, no Comuno-Malafaio-Macedismo, todo Domingo ocorre uma verdadeira Rave Crente: há um sermão relativamente curto seguido pelo Milagre da Redistribuição da Renda (do crente para o Pastor) e depois, meu irmão, é Satanás levando flechada, é crente virando bicho, é santo baixando no crente que fica rodando e falando coisa que ninguém entende. Em suma, muito mais entretenimento pelo valor do seu dízimo. Isso sim é Mais-Valia.
Então, voltando ao início do raciocínio (?), o ex-presidente, claramente ele e toda a sua família sofrendo de Transtorno de OCA, viu em sua condição não um problema mas uma oportunidade. Construiu sua base política sobre a flexibilidade mental do Comuno-Malafaio-Macedismo que permite acomodar conceitos completamente antagônicos às vezes até na mesma frase. Por exemplo: “Para salvar a democracia e a liberdade, queremos intervenção militar!”. E Jair Babá, sempre que perguntado sobre a associação com milícias, as rachadinhas, o Micheque do Queiroz, as mentiras sobre as eleições e a urna eletrônica, os 700 mil mortos na pandemia, as barras de ouro dos pastores do MEC, a cloroquina, os imóveis comprados com dinheiro vivo, o baculejo na compra das vacinas, a passagem da boiada ambiental, a mamadeira de piroca, a farra do cartão corporativo, o orçamento secreto, os Yanomamis, a tentativa de golpe, e agora as joias das Arábias, enche a boca e se sai com alguma variação, improvisada na hora, da frase que ao mesmo tempo atiça e alenta a massa Comuno-Malafaio-Macedista que o ama mais que Mussum o Mé:
“Olha o cu dos outros ali, ó!”
Maluf deve estar se babando de inveja.